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Guerra na Ucrânia é aposta do Cazaquistão por espaço no Brasil

Marsílea Gombata De São Paulo – VALOR 

O Cazaquistão, maior economia da Ásia Central, quer aproveitar a crise para crescer e expandir. Com a guerra em território ucraniano, o país busca ser hoje o maior fornecedor para o Brasil de produtos antes importados
da Rússia e da Ucrânia.

O passo nessa direção ocorreu no mês passado, com a abertura do consulado honorário em São Paulo. O Cazaquistão tem embaixada em Brasília, que atende também Argentina e Chile, e dois outros consulados honorários no Brasil — no Rio de Janeiro e em Florianópolis. Diferentemente de um consulado diplomático, o honorário não presta serviço consular, mas fica encarregado de promover os interesses do país.

“Não há a menor dúvida de que o Cazaquistão está tentando se colocar como a principal alternativa para a venda de produtos primários, especialmente na parte de fertilizantes”, afirma o advogado José Horácio Ribeiro, cônsul honorário do Cazaquistão em São Paulo. “A guerra trouxe oportunidade e desafio, e faz com que
o governo encontre saídas.”

Ribeiro ressalta que o comércio entre os dois países vem crescendo, especialmente depois do conflito, mas acredita que o estreitamento das relações econômicas seja estrutural. “Há fatores econômicos e abertura
do país para que empresários brasileiros tenham condições de investir e também exportar para lá”, afirma, ao citar benefícios tributários para setores como o farmacêutico.

Apresentação do Ministério do Comércio e Integração cazaque feita a autoridades no Palácio dos Bandeirantes, em evento no fim de agosto, organizado pelo InvestSP, diz que o “Cazaquistão está pronto para atuar como um fornecedor alternativo de algumas commodities para o mercado brasileiro”.

No documento, o governo cazaque afirma que o país pode substituir a Rússia como fornecedor de produtos como ureia, nitrato de amônia, carvão betuminoso, destilados, fertilizantes minerais e fungicidas. E também passar a fornecer itens como aço laminado, PVC, malte não torrado e minério de zircônio, que o Brasil compra da Ucrânia.

Além da parte comercial, o país busca investimentos brasileiros em setores como agroindústria, produção de maquinário e aviões. Hoje estão no Cazaquistão as empresas Weg e Tramontina, com escritórios administrativos no país. Está em negociação a abertura de um ponto de apoio da Embraer para produção e venda.

“Vemos grande potencial em agricultura, alimento processado, bebidas, mineração, e indústria farmacêutica para o Brasil não apenas no Cazaquistão, mas em toda a região da Ásia Central”, afirma Galymhan Matayev, representante da agência de investimentos Kazakh Invest. “Nosso objetivo não é apenas falar do Cazaquistão,
mas do Cazaquistão como um hub para promover tecnologia, negócios e comércio do Brasil na região e vizinhos.”

Matayev afirma que a tecnologia agrícola do Brasil seria bemvinda, uma vez que seu país tem mais de 200  milhões de hectares agriculturáveis. “Mas não temos habilidades o suficiente para produzir usando tecnologias
modernas”, diz, ao ressaltar que os salários no Cazaquistão são relativamente baixos, o que pode ser um atrativo a investidores.

O Cazaquistão foi parte da União Soviética até 1991. É o nono país do mundo em extensão territorial, logo depois da Argentina. Com 2,7 milhões de km2, tem 19,9 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto (PIB) nominal de US$ 245 bilhões, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que lhe confere a 53a posição no ranking de
maiores economias do mundo.

O setor de petróleo é a principal atividade econômica e responde por 25% do PIB, mas o país também é o maior produtor de urânio do mundo e principal exportador do minério para o Brasil.

No ano passado, os principais produtos importados do Cazaquistão pelo Brasil foram: enxofre, p-xileno, urânio natural e compostos, trióxido de cromo, e hulha betuminosa. Dentre os principais itens que o Brasil vendeu para o país da Ásia Central estão: pulverizadores para a agricultura, pneumáticos para veículos e máquinas,  medicamentos com hormônios polipeptídicos, amendoins descascados, e bulldozers e angledozers.

As vendas cazaques para o Brasil cresceram 25% nos últimos três anos, passando de US$ 64 milhões em 2019 para US$ 163 milhões em 2022. Até julho deste ano, as vendas de lá para cá totalizavam US$ 53,9 milhões.

As exportações do Brasil para lá, contudo, diminuíram no período. Passaram de US$ 113,5 milhões em 2019 para US$ 27,25 milhões em 2022. Até julho, as vendas brasileiras estavam em US$ 35,5 milhões.

Segundo relatório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), apesar do baixo valor quantitativo, as exportações brasileiras para o Cazaquistão apresentam alto valor qualitativo. Dos dez
principais grupos de produtos exportados pelo Brasil em 2021, cinco são compostos por máquinas e  equipamentos. Somados, esses grupos totalizaram 61,3% de participação na pauta exportadora brasileira naquele ano.

Dados do governo cazaque mostram que as exportações do país asiático para a América do Sul são compostas produtos primários, que respondem por US$ 56,3 milhões ou 46,6% do total e bens processados, que somam US$ 67,3 milhões ou 54,4%. O Brasil é destino de 68,5% das exportações cazaques na América do Sul. Outros 21,8% vão para a Argentina, e 8,9% têm o Chile como mercado final. 

Para crescer no país que quer ser um hub na Ásia Central, contudo, o Brasil terá de enfrentar a concorrência da Rússia e da China, que historicamente vinham fornecendo mais de 50% do total importado pelo Cazaquistão.

A Apex ressalta que a relação de investimentos bilaterais Brasil-Cazaquistão ainda é pouco explorada e que não há registro de investimentos do Cazaquistão no Brasil e vice-versa pelo Banco Central do Brasil.

Atualmente, os países que mais investem no Cazaquistão, em ordem de importância, são: Holanda, EUA, Suíça, Rússia, China. 

A Apex lembra que entre 2013 e julho de 2022 foram anunciados o equivalente a US$ 14,3 bilhões em investimentos por empresas estrangeiras no Cazaquistão.

O setor de químicos, petróleo, borracha e plástico foi o maior destino do investimento estrangeiro direto (IED) entre 2013 e 2022, recebendo US$ 7,1 bilhões, ou 49,3% do total. Em segundo lugar vem o setor de mineração e
extração, que recebeu US$ 2,2 bilhão, ou 15,6% do total. 

Além de aprofundar a relação econômica, a ideia é que a cooperação entre Cazaquistão e Brasil se dê também na arena diplomática. 

“Acredito que seja uma boa possibilidade, diante dessa situação geopolítica no mundo, quando vemos muitas interrupções nas cadeias de abastecimento e falta de confiança”, afirma Kairat Umarov, primeiro vice-ministro das Relações Exteriores do Cazaquistão.

“Precisamos trabalhar juntos para garantir que não seremos nós que sofreremos com todos esses problemas.
Precisamos cooperar em vez de apenas esperar para ver.” 

Umarov afirma que é importante países como Cazaquistão e Brasil, que são “potências médias”, desempenharem papel mais ativo na arena internacional. “Quando grandes potências não chegam a um acordo em algum
ponto, potências médias devem entrar em cena. Por isso, estamos diante de uma oportunidade para buscar maneiras de fortalecer e ampliar nossa parceria”

© 2023 Consulado Honorário da Embaixada do Cazaquistão em São Paulo